Redação BBC News Mundo
https://www.bbc.com/mundo/noticias-46637872
Traduzimos o artigo da BBC em espanhol para compartilhar com os leitores do blog essa história tão interessante.
Estava entre a cruz espada. Tinha que demonstrar-lhes que estavam equivocados, revelando-lhes a verdade... embora, ao fazê-lo, significava a morte.
Era o século IV a.C. e Agnodice estava no banco dos réus. Um grupo de médicos tinha apresentado denúncia argumentando que seduzia as mulheres que eram suas pacientes e, pior, que até havia violado a duas, as penetrando.
O veredito do Conselho do Areópago[i] havia sido "culpado".
Não lhe restava mais nenhuma alternativa. Agnodice levantou a túnica e, sem necessidade de palavras, deixou que soubessem que era mulher, não homem, como os tinham feito acreditar.
Sabia que a revelação seria considerada como um delito pior que ter seduzido ou até violado uma de suas pacientes.
"Uma mulher praticando medicina!", exclamaram alguns, medindo as palavras.
Ela tinha dado a razão perfeita para executá-la.
O crime
Essa era a mesma razão pela qual suas pacientes a preferiam.
Era um segredo guardado por ela e por aquelas a quem ela tinha ajudado, pois nessa época estava proibido que mulheres praticassem a medicina.
Nem sempre tinha sido assim.
Não muito antes de que Agnodice decidira dedicar-se a ser parteira, a prática era considerada como una profissão honorável na civilização grega.
Una das célebres parteiras era Fanáreta, a mãe do filósofo Sócrates (470-399 a.C.).
E, embora o contemporâneo mais famoso de Sócrates, Hipócrates (460-380 a.C.), o pai da Medicina moderna, não admitia mulheres em sua primeira escola de medicina, na sua ilha natal de Cós, parece que as permitia estudar temas obstétricos y ginecológicos em suas outras instalações de ensino.
Entretanto, os atenienses poderosos não viam com bons olhos que as matronas acumulassem tão impressionante gama de conhecimentos e talentos num campo relacionado com a reprodução de seus herdeiros.
Assim sendo, decidiram proibir que mulheres praticassem a obstetrícia e a medicina, sob pena de morte.
Foi um golpe terrível, não só para as parteiras que ficaram sem meios de subsistência, senão também para as mulheres cujos partos, sem a ajuda de uma parteira, constantemente terminavam em desastre.
Timidez
A Grécia antiga era uma sociedade que valorizava muito a modéstia feminina, e isso fez com que a transição das parteiras aos médicos não fosse fácil.
Apesar dos avanços da medicina introduzidos por Hipócrates e da vontade dos homens recém treinados para cuidar das mulheres, elas se negaram rotundamente a permitir que os médicos as examinassem ou ajudassem no momento de dar a luz.
Do ponto de vista dos médicos, as mulheres eram criaturas obstinadas, sem interesse no seu próprio tratamento ou saúde e responsáveis pelo número cada vez maior de mortes relacionadas com o parto.
Entretanto, o que demostrou a ousadia de Agnodice foi que, todo esse sofrimento poderia ter sido evitado se não tivessem proibido o trabalho das parteiras.
Ela
Agnodice queria estudar Medicina e praticar obstetrícia desde pequenina. Quando as portas se fecharam para as mulheres, cortou o cabelo, pôs roupa de homem e foi de Atenas a Alexandria para estudar com um dos seguidores de Hipócrates.
Foi nada menos que o primeiro anatomista, Herófilo de Calcedonia (335-280 a.C.), cofundador da lendária Escola de Medicina de Alexandria, que compartilhou sua sabedoria médica sem saber que era mulher.
Após seu regresso a Atenas, já graduada, Agnodice atendeu um parto particularmente difícil.
A mulher se negava a deixar-se ver pelos médicos apesar de sua agonia. Desesperada para ajudar, Agnodice levantou sua túnica para revelar seus seios; ao vê-los, a paciente, aliviada, permitiu que ajudasse.
O segredo de Agnodice se espalhou rapidamente entre as mulheres e seu trabalho cresceu tanto que os outros médicos se ressentiram.
Por isso começaram a fazer correr o rumor de que seduzia e corrompia as esposas de outros homens, e levantaram falsos testemunhos para acusa-la de violação sexual com penetração das pacientes.
Voltando ao julgamento
Era indubitável que Agnodice havia violado a lei, e os que estavam presentes no julgamento sabiam qual era o castigo.
Porém um grande obstáculo os impediu: uma multidão furiosa de mulheres atenienses abastadas, que Agnodice tinha ajudado, entre elas esposas de médicos e políticos que a haviam acusado, exigiram sua libertação.
Sem ela, afirmaram, muitas delas estariam mortas ou morreriam no futuro.
Se executassem Agnodice, declararam, "todas morreremos com ela".
A rebelião resultou não só na libertação de Agnodice como também na anulação da lei que proibia as mulheres de praticar a medicina, sempre e quando só trataram pacientes do mesmo gênero.
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Antes de terminarmos, é importante destacar que esta é uma das várias histórias que sempre foi, e provavelmente sempre será, um mistério histórico.
Alguns eruditos creem firmemente que é um fato histórico, enquanto que outros creem que pertence ao reino dos mitos e das lendas.
Provavelmente nunca saberemos qual é a verdade.
[i] Areópago (grego antigo: Ἄρειος Πάγος areios pagos, "Colina de Ares") supremo tribunal ateniense.
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